sexta-feira, 9 de abril de 2010

espetáculo Flor de nanã

Texto e Encenação: Cesar Huapaya

Performers: Rosi Andrade e Roberto Claudino
Performers Convidados: Suely Bispo e Eliezer de Almeida
Performers dos Candomblés: Rosangela dos Santos, Rejane dos Santos, Mãe Neia de Iemanjá, Jaqueline de Oxum, Gabriel de Logum, Soraya de Xangô, Marcia Demoné de Iansã e Guacira Fraga de Iemanjá
Música e Percussão: Ogã Alabê Alcides Costa, Ariens e Cesar Huapaya
Direção de Produção: Rosi Andrade
Concepção e Criação de Figurino, Cenário e Iluminação: Rosi Andrade, Cesar Huapaya e Roberto Claudino
Operadora de Luz e Montagem: Tatiane Benevides
Uma antropologia do teatro

As artes performativas, como as práticas performativas, possuem a capacidade de interferência em todas as camadas da sociedade e de seus tecidos performativos. A ação e o movimento fazem parte desse triângulo nervoso que o performer cria no ato de mexer com o corpo, no tempo e no espaço, que o remete a uma ação radical dentro do sistema social. O performer em ação é um demiurgo, um profeta e um condutor de suas ações no cotidiano. Mesmo que essas ações sejam delimitadas pelos papéis sociais da sociedade, com suas "constelações sociais" ou divisões de classes sociais.
O performer foge a regra da manipulação do estado, criando um mundo e uma personalidade própria. Ao presentar sua performance em Dança, Instalação ou em Rituais de Candomblé e Carnaval, o performer cria uma tensão energética com seu corpo. Esse corpo pode ser visto dentro de um conceito antropológico proposto por Barba e Grotowiski nos manifestos de antropologia teatral. Segundo Jean Bazin, o homem deve ser estudado pelo ato como ele faz suas ações, e não como ele é. Como ele faz sua comida, sua dança, suas cerimônias, seu processo criativo. Não devemos julgar ou analisar um determinado grupo ou indivíduo pelo que eles são, mas sim como eles agem ou fazem suas ações no tempo e no espaço social, individual e privado.
Encontramos no trabalho de criação do Teatro Experimental Capixaba um fato bem particular, uma prática de antropologia do teatro com a utilização dos Atabaques do Candomblé e seus ritmos como dramaturgia-corpo-son. Dramaturgia sonora-corporal que faz parte do cotidiano do Candomblé e das práticas performativas brasileiras, tendo como fonte de pesquisa o Candomblé e os Orixás.
As figuras femininas são marcantes nos espetáculos do TEC, sejam elas mães, guerreiras, escravas, trabalhadoras e sedutoras. Os tecidos performativos e as micros ações são trabalhadas no espaço cênico que é dividido entre os elementos das artes performativas e das práticas performativas. Performers do candomblé se misturam com os atores performers do TEC.
Em Ventre de Sangue o masculino era visto como infindável processo de destruição do feminino. Em Fausto o feminino se torna o processo de destruição do masculino. O mesmo podemos falar no espetáculo As Relações Naturais, da luta entre o patriarcado e o matriarcado. O feminino destrói o masculino. No final de As Relações Naturais os performers-femininos-orixás-plásticos reivindicam o direito de orgasmo e de igualdade perante ao homen.


FLOR DE NANÃ

Foi com essa visão antropológica que o Teatro Experimental Capixaba criou o espetáculo instalação de Teatro, Dança e Candomblé Flor de Nanã, com roteiro e encenação de Cesar Huapaya.
A peça é dividida em nove cenas: O nascimento de Nanã, Nanã punindo os homens, Depoimentos das mulheres de Nanã, Nanã copulando, O domínio do patriarcado, Nanã e os Eguns, A criação e o barro. Flor de Nanã é uma homenagem a Nanã-buruku, orixá feminino do Candomblé cujo elemento é a lama e o lodo do fundo dos rios e dos mares. Tendo participado do Festival Nacional de Teatro de Vitória a peça foi bastante elogiada pelo crítico e pesquisador Luis Fernando Ramos e também na Europa no seminário de Antropologia e performance em Paris (2008).

A peça instalação:

Uma instalação com os despachos dos orixás é feita na entrada do teatro. O espetáculo canta e dança em poemas corporais o conflito da mulher que luta para afirmar-se em uma sociedade patriarcal. Nanã é apresentada através de vários personagens, como: mulheres trabalhadoras que sustentam os filhos, donas de casa, catadoras de lixo e pessoas que foram e são escravizadas. Ela é a protetora que deu o grito de liberdade a todos os humanos.

O Mito de Nanâ

Nanã é a morte, a fecundidade, a riqueza. Seu nome quer dizer a mãe ou pessoas idosas e respeitáveis. Nanã na mitologia africana é a guerreira de sabre, a mulher justa, que punia os homens que batiam e violentavam as mulheres nas tribos.

Encontramos a origem desse mito, na evolução da civilização Africana no Daomé (Benin). Em um périodo matriarcal a figura de Nanã Burucu, era associdada a uma mulher forte e bonita, como sendo mulher de Oxála. No périodo Patriarcal, Nanã Burucu se tornou uma velha, a avó de todos. Yemanjá assumiu o seu lugar no panteon yoruba como a mulher de Oxalá . Yemanjá mãe das águas e a beleza em pessoa, que deu vida a uma parcela dos Orixás. Mesmo reduzida a uma velha, Nanã Burucu, não perdeu seus poderes e sua força sobre os seres da terra.


Nanã, Maria Padilla, Lilith, Pombagira-exu: historia, ficção, religião e teatro.

Quais foram às fontes de inspiração dessas Performers plásticos corporais? Sem duvida que foram as Orixás femininos do Candomblé e da Umbanda, como a historia de Lilith a lua negra, personagem clássico que ocupa um lugar predominante na mitologia judaica, na Babilônia e na Suméria. Podemos encontrar uma referência a Lilith nos antigos testamentos e na literatura midrashique.
Durante muito tempo, a figura de Lilith, Pomba-gira, Janaina Iansã, Oxum, Iemanja e Nanã Buruku nos atraiu. Essa mistura de mitos afro-amérindio-judaico-cristão é a sintese de nosso país. Em nossas performances plástica corporal, procuramos apresentar essa grandeza do espírito da mulher em várias civilizações. A figura das Orixás femininos do Candomblé, dos Exus Pomba-Gira e Maria Padilha da Umbanda, foram nossa fonte de pesquisa que predominaram com mais frequência em quase todos os espetáculos da segunda fase. Conhecida na Umbanda como um Exu-feminino, Maria Padilla é a mulher em toda sua força e desejo. O estereótipo da mulher fatal e sensual que explode em sedução e vigor sexual.

Iyamí Pomba Gira e Maria Padilha possuem a capacidade de não se deixarem dominar por nenhum homem. Como Nanã e Lilth a primeira mulher de Adão, elas são associadas ao sangue. Lilht e Nanã em momento algum deixaram o homem (Adão) copular por cima, sempre ficavam em posição de dominação total. Segundo a lenda, Lilth se tornou um demônio por não obedecer a Deus. No Brasil Pomba Gira se transformou na figura representativa de anti-dominação, uma prostituta que pulsa toda força na sexualidade. Nos candomblés brasileiros Nanã tornou-se a grande avó que protege o seu lar, filhos e netos. Uma mulher poderosa que mete medo em qualquer um, pela sua determinação e sabedoria.



Concepção da direção:

A direção trabalha com a Sinestésica do espectador, utilizando todos os recursos de sensações corporais e sensoriais. O espectador é o criador do espetáculo junto com os performers. O trabalho é totalmente despojado, fugindo do espaço cênico tradicional. Na entrada do teatro temos uma instalação com as casas de candomblés que fazem um despacho para Exú. Procuramos trabalhar com a Sinestésica do espaço público e as características performativas, utilizando elementos da dança e do teatro contemporâneo e dos orixás do Candomblé. O espetáculo foi elaborado para ser apresentado em espaços alternativos, teatros, galerias e nas comunidades. A encenação irá trabalhar um olhar sobre as mulheres de Nanã.
A gestualidade, as músicas dos atabaques e tambores, as falas rimadas, as danças, o teatro de sombras, as imagens, os depoimentos, os figurinos e adereços são as únicas condições materiais da representação.

Criação da Performer e o trabalho com as personagens:

A personagem é uma leitura particular dos performers, que irão utilizar seus potenciais: os gestos, os movimentos dos corpos e os cantos. A virtuose corporal e as composições de teatro-dança fazem parte de nosso modo de mostrar a performer-personagem. Flor de Nanã é um espetáculo instalação que mistura depoimentos de mulheres filhas de Nanã, as danças e os cantos do Candomblé. Procuramos trabalhar diversos exercícios nas ações físicas dos performers. O lírico das criações populares, dos cânticos das mulheres do candomblé e do congo. Técnica do ator Performer, técnicas de corpo e danças do candomblé.



TEC

O Teatro Experimental Capixaba completa 31 anos de resistência no Teatro Capixaba. O grupo é um Centro de Pesquisa Experimental de Antropologia do Teatro e das Artes Performativas. A pesquisa sobre a técnica de corpo do Performer Iaô do grupo foi tema de tese de doutorado de Cesar Huapaya na França. O TEC vem desenvolvendo junto às comunidades e prefeituras cursos e oficinas de artes, intitulada “Arte Cidadão”. Um projeto de socialização e integração do ator social através das artes. O grupo é composto por uma diretoria de 08 integrantes e 26 participantes; entre atores, artistas plásticos, dançarinos, músicos, performers de candomblé, congo, professores de artes especializados, antropólogo e historiadores. Onde oferecemos pesquisas, oficinas de artes, mini-cursos, palestras, seminários, espetáculos musicais e performances antropológicas.
O grupo é responsável por grandes encenações do Teatro Capixaba como: Funte Ovejuna de Lope de Vega (1984), Woyzeck de Georg Büchner (1985), Senhorita Júlia de Strindberg (1986), Eu sou vida; Eu não sou Morte de Qorpo Santo (1987), Ventre de Sangue (1992), Dança dos Ventos (1990), Mitologia (1988) e O Riso (1987) de Cesar Huapaya, Fausto de Goethe e Marlowe (1995), que representou o Brasil na Alemanha, França e Argentina em 1996, As Relações Naturais de Qorpo Santo (1999/2000/2007) e Flor de Nanã de Cesar Huapaya (2003/2008). Os críticos e professores de teatro Francês como Jean-Marie Pradier, Patrice Pavis, consideram o trabalho de pesquisa do grupo arrojado e de alta qualidade técnica e artística. Os antropólogos François Laplantine, Jean Bazin e Bernard Muller, citam a importância do trabalho antropológico do grupo sob a direção de Cesar Huapaya. O filósofo Gerd Boheiner considerava o trabalho do grupo um processo contínuo de evolução estética e cênica. O poeta, dramaturgo e historiador Oscar Gama Filho, cita que “o grupo TEC pesquisa os limites do ato dramático, no que ele tem de marginal... O espaço cênico do TEC se prolonga até a platéia, onde magicamente, espectadores se transformam em personagens”. Grotowski citou o trabalho do TEC de uma dramaturgia ritual e visceral.

Rosi Andrade:

Atriz, produtora, diretora, arte terapeuta, performer e professora de teatro/dança. Bacharel em Artes Cênicas pela Universidade Paris 8, Paris/França. Estudou na escola Internacional de Mimo e Dança Magenia em Paris com Ella Jeroszewicz e na Dinamarca com Eugenio Barba no Odin teatret.



Roberto Claudino:

Ator performer, diretor, aderecista, artista gráfico, participa desde os anos 70 das principais montagens do Grupo de Teatro Experimental, do teatro e do cinema capixaba.

Cesar Huapaya:

Fundador do Grupo de Teatro Experimental Capixaba em 1977, etnocenólogo, encenador performer de teatro, cinema e dança. Bacharel em Artes cênicas, pela UNI-RIO, pós-graduação em teoria e prática do teatro pela UFRJ, Mestre em teatro pela Universidade Paris 8 e Doutor em Estética e tecnologia da criação artística, com especialização em teatro/etnocenologia pela Universidade Paris 8, Vincennes-Saint-Denis na França. É professor Adjunto da Universidade Federal do Espírito Santo do Centro de Artes, onde leciona as disciplinas artes performativas,

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