sexta-feira, 9 de abril de 2010

Cantantes dos Reis-2010-3


grupo de teatro experimental capixaba


Grupo Teatro Experimental Capixaba (1977-2010)
O Grupo de Teatro Experimental Capixaba completa 33 anos de resistência no Teatro Capixaba. O grupo é um Centro de Pesquisa experimental de Antropologia do Teatro e das Artes Performativas. A pesquisa sobre a técnica de corpo do Performer Iaô afro-ameríndio do grupo foi tema de tese de doutorado de Cesar Huapaya na França. O TEC vem desenvolvendo junto as comunidades e prefeituras cursos e oficinas de artes, intitulada “Arte Cidadão”. Um projeto de socialização e integração do ator social através das artes. O grupo é composto por uma diretoria de 8 integrantes e 26 participantes; entre atores, artistas plásticos, dançarinos, músicos, performers das casas de candomblé, congo, professores de artes especializados, sociólogo, antropólogo e historiadores. Onde oferecemos, pesquisas,oficinas de artes, mini-cursos, palestras, seminários, espetáculos musicais e performances antropológicas.

O grupo é responsável por grandes encenações do Teatro Capixaba como: Funte Ovejuna de Lope de Vega (1984), Woyzeck de Georg Büchner (1985), Senhorita Júlia de Strindberg (1986), Eu sou vida; Eu não sou Morte de Qorpo Santo (1987), Ventre de Sangue (1992), Dança dos Ventos (1990), Mitologia (1988) e O Riso (1987) de Cesar Huapaya, Fausto de Goethe e Marlowe (1995), que representou o Brasil na Alemanha, França e Argentina em 1996, As Relações Naturais de Qorpo Santo (1999/2000) e A Flor de Nanã de Cesar Huapaya (2006 e 2008). Os críticos e professores de teatro Françês como Jean-Marie Pradier, Patrice Pavis, consideram o trabalho de pesquisa do grupo arrojado e de alta qualidade técnica e artística. Os antropólogos François Laplantine, Jean Bazin e Bernard Muller, citam a importância do trabalho antropológico do grupo sob a direção de Cesar Huapaya. O filósofo Gerd Boheiner considerava o trabalho do grupo um processo continua de evolução estética e cênica. O poeta, dramaturgo e historiador Oscar Gama Filho, cita que “o grupo TEC pesquisa os limites do ato dramático, no que ele tem de marginal... O espaço cênico do TEC se prolonga até a platéia, onde magicamente, espectadores se transformam em personagens”.


Cesar Huapaya: Diretor
Fundador do Teatro Experimental Capixaba em 1977, é etnocenólogo, encenador performer de teatro,música e cinema. Bacharel em Artes cênicas, pela UNI-RIO, pós-graduação em teoria e prática do teatro pela UFRJ, mestre em teatro pela universidade Paris 8 e Doutor em Estética e tecnologia da criação artística, com especialização em teatro/etnocenologia pela universidade Paris 8, Vincennes Saint-Denis na França. É professor Adjunto da Universidade Federal do Espírito Santo, do Centro de Artes, onde leciona as disciplinas artes performativas, antropologia do teatro, interpretação e direção teatral. Foi aluno de Jean-Marie Pradier (Paris 8), Jean Bazin (EHESS), Grotowski (College de France), Eugenio Barba, Jaques Derrida, Pierre Bourdieu (EHESS) e Patrice Pavis (Paris 8). Professor convidado e membro do grupo de Antropologia do Teatro da École des Huates Études en sciences sociales de Paris e do Laboratório de Etnocenologia da universidade Paris 8. Foi diretor artístico do Vitória Jazz Festival em Vitória. ES. Brasil nos anos 1990-1998.

Cantantes dos Reis-2010- 2


GRUPO DE TEATRO EXPERIMENTAL CAPIXABA
APRESENTA
CANTANTES DOS REIS
TEXTO- DIREÇÃO GERAL:CESAR HUAPAYA
Reis de Boi (Bumba-meu-Boi)1
Foi o primeiro teatro feito pelos negros segundo relatos de Arthur Azevedo. Os negros saiam dos terreiros vestido de catirina, boizinho e doutor.O espetáculo CANTANTES DOS REIS faz parte da pesquisa O ATOR PERFORMER desenvolvida pelo diretor e professor Dr.Cesar Huapaya. CANTANTES DOS REIS, traz todos os elementos populares das práticas performativas em sua encenação; como os personagens dos palhaços das Folias,candomblé, Congo e dos Reis de boi. Como também resgata o respeito à formação do espectador no espaço público. O tema central da peça é a questão da escravidão contemporânea. A montagem é realizada pela maioria de atores negros. A peça começa em um terreiro (espaço circular).com um grupo de candomblé Em nossa encenação resgatamos esse aspecto da história do teatro negro. Convidando os terreiros de candomblé e os grupos de folguedos populares para participarem como performers junto ao grupo de Teatro experimental Capixaba.

Texto:
D-ORIGEM: resgate histórico.
É um espetáculo baseado nos Reis de boi, candomblé, congo e na Folia de Reis do Espírito Santo. A peça conta a história de uma família de camponeses, que são explorados por um coronel. Eles são expulsos de suas terras e o seu filho mais novo virou escravo no carvoeiro do coronel. Os retirantes cantantes vão para cidade no sonho de encontrar o filho e uma vida melhor. Acompanhado de seu boizinho, catirina, mateus, personagens do Reis de boi. A peça desenvolve-se com um grupo de Reis de boi e seus personagens típicos. Usando a mesma estrutura dos Reis, temos o nascimento e ressurreição do Boi. A mãe de santo do candomblé ressuscita o boi. Como nos Reis de Boi na parte narrativa o texto apresenta um episódio de nossa realidade, fazendo uma crítica à escravidão contemporânea. A estética, como as letras e músicas dos folguedos capixabas é presente em todo espetáculo. Personagens e grupos candomblé e do congo estão presentes cantando as músicas dos folguedos capixabas ao vivo.



Reis de Boi:
O bumba-meu-boi é um espetáculo popular que faz parte do ciclo natalino e é apresentado por vezes também no carnaval. Sua denominação varia de acordo com os Estados. Na Amazônia, boi-bumbá; no Ceará, boi surubi ou surubim; no Rio Grande do Norte, boi calemba; em Santa Catarina, boi de mamão; na Paraíba, cavalo marinho. É característico da região Nordeste do Brasil devido às suas músicas e seus personagens e sua origem data do final do século XVII. O espetáculo é representado com o público de pé, formando um círculo. O boi, personagem principal, é feito de uma armação de madeira coberta de pano colorido e enfeitado. Uma pessoa fica dentro do boi, pulando, dançando e avançando sobre o público.
Os personagens do bailado são humanos e animais. Os femininos são representados por homens travestidos. O Capitão é o comandante do espetáculo. Há também Mateus e Catirina, personagens bastante conhecidos que apresentam os bichos, cantam e dançam de forma engraçada, divertindo muito o público. Catirina é uma negra, muito desinibida que em alguns bumbas é a mulher de Mateus. Fazem parte ainda do elenco: Bastião, a pastorinha, a dona do boi, o padre, o doutor, o sacristão, Mané Gostoso, o Fanfarrão, a ema, a burrinha, a cobra, o pinica-pau e ainda os personagens fictícios: o Caipora, o Diabo, o Babau, o morto carregando o vivo e o Jaraguá. O enredo é que não muda em todos os bumbas-meu-boi. O boi da pastorinha se perde e ela sai a sua procura pelos arredores e vai encontrando os vários personagens. No final o boi é sempre morto e ressuscitado, e com a morte dele se canta a seguinte lamentação, muito conhecida de todos.
Nos Espírito Santo O Bumba-meu–boi virou Reis de bois, O Reis-de-boi é o quadro de folclore mais popular da região norte do Estado (São Mateus) exatamente por causa desses bichos apavorantes. ". Os reis, segundo Denise Machado, "é um grande teatro de rua, feito por trabalhadores e camponeses de mãos calejadas." Atrai público, mas geralmente público da mesma condição social dos seus integrantes. Os períodos de sua apresentação vão de 6 de janeiro (Santos Reis) a 3 de fevereiro (São Brás).
“O reis-de-boi é um velho folguedo popular, ainda corrente em São Mateus, Conceição da Barra e outras localidades ao norte do estado. Compõe-se de várias figuras, entre as quais: o boi, personagem principal; pai Francisco, o vaqueiro; e sua mulher Catirina; João Mole, um boneco desengonçado; a cobra, seu Pai, ou vosso Pai e Agaú, um gigante fantasma. Essas são as figuras grotescas que participam da função. Mas, além dessas, há no reis-de-boi, um grupo de marujos, que toca pandeiros e canta, bem como um sanfonista que os acompanha. Todos sob a direção de um mestre. Em Conceição da Barra, este era o senhor José de Carvalho, organizador do reis-de-boi e morador na Bugia, arrabalde da cidade. 2
O reis-de-boi — como se vê do próprio nome — é representado nas festas de Santos Reis, podendo, todavia, repertir-se em louvor de São Sebastião (20 de janeiro) e de Nossa Senhora das Candeias (2 de fevereiro). E porque a festa é de Reis há, como nos ternos e folias do reisado, cantigas e descantes alusivos ao Natal e aos Magos.



CANTANTES DOS REIS TEXTO E ENCENAÇÃO: CESAR HUAPAYA

ELENCO:

Roberto Claudino
Suely Bispo
Amélia Barretto
Carlos Lourenço
David Rodrigues da Rocha

Rejane dos Santos
Rosangela dos Santos
Vitória dos Santos
Bruna Barbiere
Ágatha Huapaya e Valentina Leonel (crianças)
Grupo do candomblé de Angola: Mametu Nkisi (Mãe) Rosangela dos Santos e Ekede Rejane dos Santos

MÚSICOS:
Pandeiro e atabaque:Cesar Huapaya
Acordeom:Bruno Venturim
Bateria: Mario Ruy
Baixo:Paulo Sodré
Ogãs alabê: Bruno. orgã André
BANDA DE CONGO TAMBOR DE JACARENEMA-Marina Sampaio e Dona Dorinha
Casa de Candomblé de Angola de ZAZI
EQUIPE TÉCNICA:
Texto e direção Geral: Cesar Huapaya
Coordenação da pesquisa etnocenológica sobre “As práticas performativas capixabas”: César Huapaya
Pesquisa de imagens: Robyson vilaronga e Priscilla Schimitt
Pesquisa e preparação de expressão vocal: Francisco Oliveira
Pesquisa preparação corporal e coreografia: Danielle Leonel
Figurino: Ana Tereza Huapaya e Regina Schimitt
Confecção de figurinos: Regina Célia Schimitt

Operadoro de som: Júlio Huapaya
Caracterização, maquiagem, cabelos e perucas: Terezinha Haute Coiffure
Cenário e adereços: Ana Tereza
Música tema: Cesar Huapaya
Direção musical e arranjos: Paulo Sodré
Cenotécnico: Roberto Claudino
Contra-regra: Telma Helena
Assistente de Direção: Danielle Leonel
Fotografia: Robyson Vilaronga e Priscilla Schimitt
Direção de produção: Priscilla Schimitt e Júlio Andres Amaro Huapaya
Assistente de produção e antropóloga assistente: Natali Destefani
Produção Executiva: Priscilla Schimitt



O espetáculo será apresentado nas ruas, praças, teatro e centros comunitários. O espetáculo de teatro Cantantes dos Reis é um espetáculo de rua baseado na Folia de Reis, Reis de Boi e congo A peça resgata aspectos de nosso folclore e de personagens populares da cultura capixaba. A divulgação das artes performativas populares e práticas performativas fazem parte do trabalho de pesquisa do diretor Cesar Huapaya.
As apresentações serão desenvolvidas nos seguintes locais: Parque Moscoso, Praça Costa Pereira, São Pedro, Pedra da Cebola,Morro do Alagoano. Todas as 10 apresentações serão gratuitas. O professor e encenador Cesar Huapaya, fará em cada local uma palestra sobre o teatro e as práticas performativas do Reis de boi. Como também um debate sobre a violência e a escravidão contemporânea.

1 Histórico: Existem duas correntes de estudiosos que defendem o surgimento do Bumba meu boi , uma diz que teria nascido de escravos e gente pobre agregados de engenhos e Fazendas ,trabalhadores da roça e de pequenos ofícios das cidades interioranas, por vota das ultimas Décadas do Século XVIII. Sem nenhuma participação feminina pelas circunstâncias sociais da época. Para outros estudiosos, a "mãe" do Bumba meu boi brasileiro está ligada a alguns elementos orientais e europeus do Boi-de-canastra de Portugal, mas sem enredo nem declarações e sim ação lúdica. O bumba-meu-boi é uma das mais ricas manifestações do folclore brasileiro este nome Bumba, uma interjeição onomatopaica que indica estrondo de pancada ou a queda ( bumba-meu-boi: bate! ou chifra, meu boi), ou da nossa cultura popular, é o Folguedo de maior significação estética e Social do Brasil e foi o primeiro a conquistar a simpatia dos indígenas durante a catequese.Tal como ocorre no Brasil não é visto em outro lugar, salvo na África ,para onde imigrantes brasileiros o levaram. Denomina-se no Daomé: Burrinha, com características diferentes da brasileira. A referência escrita mais antiga feita no Brasil sobre o bumba-meu-boi foi feita pelo Padre Miguel do Sacramento Lopes Gama (1791-1852), no Periódico (jornal) "O Carapuceiro" de 11 de Janeiro de 1840 (Recife).Segundo o dramaturgo Arthur Azevedo o Bumba meu boi foi o primeiro teatro feito pelos negros no Brasil.

2 O reis-de-boi que vimos ali representado assemelha-se aos bumba-meu-boi do norte e do nordeste. Claramente se verifica que a Catirina deve ser a mesma tia Catirina, do bumba baiano e a mãe Catirina do bumba do Maranhão. Mas o ponto de referência mais estreito está no boi — figura central dos dois autos populares. Como nos bumba-meu-boi, o animal do reis-de-boi entra em cena, dança, cabrioleia, dá marradas e, lá pelas tantas, morre.” (Guilherme Santos Neves)

Cantantes dos Reis-2010





critica da Flor de Nanã


Luis Fernando Ramos (Critica da peça)2006 Agazeta,Vitória.Es.

A Flor de Nanã: entre o teatro ritual e a performance
A encenação do Teatro Experimental Capixaba na quinta noite do Festival proporcionou ao público um encontro entre as raízes da arte teatral, o rito, e uma das formas mais contemporâneas da teatralidade, a performance. Com o espetáculo, o autor e encenador, César Huapaya, confirma a sua relevância no panorama do teatro capixaba e afirma-se como uma das referências nacionais no campo de investigação que explora as fronteiras entre o teatro e a antropologia.
O espetáculo ocupou plenamente o teatro Carlos Gomes, recebendo o público no saguão central ao som de atabaques, e conduzindo-o à platéia depois que as devidas licenças tinham sido evocadas aos orixás, divindades do Candomblé, para o início dos trabalhos. Conduzindo esse prólogo estavam os pais e mães de santo das principais casas de candomblé da cidade de Vitória, numa extraordinária vivência ecumênica em torno da arte teatral. Entre esses, como intermediário, estabelecendo a conexão entre a prática do candomblé e a formalização cênica proposta por Huapaya, o pai de santo e performer Rogério de Iansã. Ele vem atuando no âmbito do Teatro Experimental Capixaba há mais de 15 anos e é a figura emblemática desse raro encontro entre a tradição milenar da religião africana e a práticas performáticas contemporâneas.
A trama do espetáculo que se desenvolveu no palco, para contar a história e as peripécias lendárias do orixá Nanã-burukê, é tecida pelas batidas dos atabaques que soam ininterruptamente a partir das mãos ágeis de vários ogans. Como dramaturgos de um teatro físico, que se expressa através dos corpos e dos movimentos codificados dos orixás, eles definem a linha narrativa. Nana-burukê, a grande mãe que dá origem ao mundo e cujos elementos naturais são a lama e o lodo primordiais, irá apresentar-se em suas diversas facetas colhidas numa mitologia que remonta a dez mil anos atrás. Para encarná-la, emoldurada pelos pais e mães de santo, a atriz e performer Rosi Andrade irá apresentar uma longa e precisa seqüência de movimentos corporais, alternados com algumas poucas falas, O curioso nesse desempenho é que a dança e os gestos que se oferecem, se por um lado não deixam de representar uma forma de coreografia determinada pelo código gestual do candomblé, por outro tem a espontaneidade e a inventividade da performance, em que, mais do que a realização de partitura corporal por uma atriz vigorosa, ocorre o depoimento pessoal da artista e cidadã: Andrade atua na cidade de Vitória na organização de mulheres que sofrem maus tratos domésticos e sua luta, nesse sentido, se expressa ali na figura de Nana-burukê, a orixá que preside o matriarcado. Arte e vida se encontram e se atualizam nesse rito que é espetacular e nesse espetáculo que é ritual. Ou outros performers, Roberto Claudino, Suely Bispo, Margareth Maia e Carlos Lourenço também atuam tanto como entidades quanto com suas próprias identidades.
Reconhecidas as linhas mestras da encenação de César Huapaya, vale ainda, à guisa de diálogo, propor algumas questões que se apresentam a partir do espetáculo. É comum os estudiosos de teatro comentarem que as tentativas de trazer os ritos do candomblé e da umbanda para a cena são sempre menos expressivas e espetaculares que os próprios ritos realizados nos terreiros e casas dessas religiões de origem africana. De fato, como em qualquer rito religioso, a começar dos ditirambos dionisíacos que dão origem ao teatro na Grécia, quando se é praticante do rito e se está nele inserido a relação com o fenômeno não é distanciada, mas vivida. Não se assiste a algo que se deixa ver, o teatro, mas se está inserido na vivência ritual. A tragédia grega nasce, exatamente, quando se estabelece uma distância suficiente para que os mitos possam ser apreendidos como espetáculo, objetos reconhecíveis diante de sujeitos observadores.
Pois bem, no caso de Flor de Nanã, se há a representação de um mito, é impossível não reconhecer, até pela presença em cena de sacerdotes reais - e não de atores imitando sacerdotes - que não trate, também, da celebração de um rito. É certo que ele está deslocado de seu espaço tradicional, o terreiro, e exposto frontalmente à platéia em um “palco italiano”. Ao mesmo tempo, supondo que a platéia não seja de iniciados naquela religião, a mencionada dramaturgia tecida pelos toques do atabaque e pelos gestos dos performers não será imediatamente assimilada, permanecendo como uma referência distante e indecifrável. Pode-se argumentar que, para além de qualquer compreensão, o que está em jogo são fluxos energéticos que atuam sobre os espectadores, não importando que eles assimilem os conteúdos narrativos. Mas, mesmo assim, a suposta fruição está seriamente comprometida para os não iniciados.
Essas especulações sugerem, por exemplo, que há uma tensão permanente nessa dialética entre o teatro e a religião, ou entre a performance e as práticas rituais. Talvez, a melhor forma de enfrentar as contradições inevitáveis nessa transposição do rito para a cena seja potencializar essa tensão, explorando-a teatralmente, mas sem deixar de buscar a intensidade do rito.

espetáculo Flor de nanã

Texto e Encenação: Cesar Huapaya

Performers: Rosi Andrade e Roberto Claudino
Performers Convidados: Suely Bispo e Eliezer de Almeida
Performers dos Candomblés: Rosangela dos Santos, Rejane dos Santos, Mãe Neia de Iemanjá, Jaqueline de Oxum, Gabriel de Logum, Soraya de Xangô, Marcia Demoné de Iansã e Guacira Fraga de Iemanjá
Música e Percussão: Ogã Alabê Alcides Costa, Ariens e Cesar Huapaya
Direção de Produção: Rosi Andrade
Concepção e Criação de Figurino, Cenário e Iluminação: Rosi Andrade, Cesar Huapaya e Roberto Claudino
Operadora de Luz e Montagem: Tatiane Benevides
Uma antropologia do teatro

As artes performativas, como as práticas performativas, possuem a capacidade de interferência em todas as camadas da sociedade e de seus tecidos performativos. A ação e o movimento fazem parte desse triângulo nervoso que o performer cria no ato de mexer com o corpo, no tempo e no espaço, que o remete a uma ação radical dentro do sistema social. O performer em ação é um demiurgo, um profeta e um condutor de suas ações no cotidiano. Mesmo que essas ações sejam delimitadas pelos papéis sociais da sociedade, com suas "constelações sociais" ou divisões de classes sociais.
O performer foge a regra da manipulação do estado, criando um mundo e uma personalidade própria. Ao presentar sua performance em Dança, Instalação ou em Rituais de Candomblé e Carnaval, o performer cria uma tensão energética com seu corpo. Esse corpo pode ser visto dentro de um conceito antropológico proposto por Barba e Grotowiski nos manifestos de antropologia teatral. Segundo Jean Bazin, o homem deve ser estudado pelo ato como ele faz suas ações, e não como ele é. Como ele faz sua comida, sua dança, suas cerimônias, seu processo criativo. Não devemos julgar ou analisar um determinado grupo ou indivíduo pelo que eles são, mas sim como eles agem ou fazem suas ações no tempo e no espaço social, individual e privado.
Encontramos no trabalho de criação do Teatro Experimental Capixaba um fato bem particular, uma prática de antropologia do teatro com a utilização dos Atabaques do Candomblé e seus ritmos como dramaturgia-corpo-son. Dramaturgia sonora-corporal que faz parte do cotidiano do Candomblé e das práticas performativas brasileiras, tendo como fonte de pesquisa o Candomblé e os Orixás.
As figuras femininas são marcantes nos espetáculos do TEC, sejam elas mães, guerreiras, escravas, trabalhadoras e sedutoras. Os tecidos performativos e as micros ações são trabalhadas no espaço cênico que é dividido entre os elementos das artes performativas e das práticas performativas. Performers do candomblé se misturam com os atores performers do TEC.
Em Ventre de Sangue o masculino era visto como infindável processo de destruição do feminino. Em Fausto o feminino se torna o processo de destruição do masculino. O mesmo podemos falar no espetáculo As Relações Naturais, da luta entre o patriarcado e o matriarcado. O feminino destrói o masculino. No final de As Relações Naturais os performers-femininos-orixás-plásticos reivindicam o direito de orgasmo e de igualdade perante ao homen.


FLOR DE NANÃ

Foi com essa visão antropológica que o Teatro Experimental Capixaba criou o espetáculo instalação de Teatro, Dança e Candomblé Flor de Nanã, com roteiro e encenação de Cesar Huapaya.
A peça é dividida em nove cenas: O nascimento de Nanã, Nanã punindo os homens, Depoimentos das mulheres de Nanã, Nanã copulando, O domínio do patriarcado, Nanã e os Eguns, A criação e o barro. Flor de Nanã é uma homenagem a Nanã-buruku, orixá feminino do Candomblé cujo elemento é a lama e o lodo do fundo dos rios e dos mares. Tendo participado do Festival Nacional de Teatro de Vitória a peça foi bastante elogiada pelo crítico e pesquisador Luis Fernando Ramos e também na Europa no seminário de Antropologia e performance em Paris (2008).

A peça instalação:

Uma instalação com os despachos dos orixás é feita na entrada do teatro. O espetáculo canta e dança em poemas corporais o conflito da mulher que luta para afirmar-se em uma sociedade patriarcal. Nanã é apresentada através de vários personagens, como: mulheres trabalhadoras que sustentam os filhos, donas de casa, catadoras de lixo e pessoas que foram e são escravizadas. Ela é a protetora que deu o grito de liberdade a todos os humanos.

O Mito de Nanâ

Nanã é a morte, a fecundidade, a riqueza. Seu nome quer dizer a mãe ou pessoas idosas e respeitáveis. Nanã na mitologia africana é a guerreira de sabre, a mulher justa, que punia os homens que batiam e violentavam as mulheres nas tribos.

Encontramos a origem desse mito, na evolução da civilização Africana no Daomé (Benin). Em um périodo matriarcal a figura de Nanã Burucu, era associdada a uma mulher forte e bonita, como sendo mulher de Oxála. No périodo Patriarcal, Nanã Burucu se tornou uma velha, a avó de todos. Yemanjá assumiu o seu lugar no panteon yoruba como a mulher de Oxalá . Yemanjá mãe das águas e a beleza em pessoa, que deu vida a uma parcela dos Orixás. Mesmo reduzida a uma velha, Nanã Burucu, não perdeu seus poderes e sua força sobre os seres da terra.


Nanã, Maria Padilla, Lilith, Pombagira-exu: historia, ficção, religião e teatro.

Quais foram às fontes de inspiração dessas Performers plásticos corporais? Sem duvida que foram as Orixás femininos do Candomblé e da Umbanda, como a historia de Lilith a lua negra, personagem clássico que ocupa um lugar predominante na mitologia judaica, na Babilônia e na Suméria. Podemos encontrar uma referência a Lilith nos antigos testamentos e na literatura midrashique.
Durante muito tempo, a figura de Lilith, Pomba-gira, Janaina Iansã, Oxum, Iemanja e Nanã Buruku nos atraiu. Essa mistura de mitos afro-amérindio-judaico-cristão é a sintese de nosso país. Em nossas performances plástica corporal, procuramos apresentar essa grandeza do espírito da mulher em várias civilizações. A figura das Orixás femininos do Candomblé, dos Exus Pomba-Gira e Maria Padilha da Umbanda, foram nossa fonte de pesquisa que predominaram com mais frequência em quase todos os espetáculos da segunda fase. Conhecida na Umbanda como um Exu-feminino, Maria Padilla é a mulher em toda sua força e desejo. O estereótipo da mulher fatal e sensual que explode em sedução e vigor sexual.

Iyamí Pomba Gira e Maria Padilha possuem a capacidade de não se deixarem dominar por nenhum homem. Como Nanã e Lilth a primeira mulher de Adão, elas são associadas ao sangue. Lilht e Nanã em momento algum deixaram o homem (Adão) copular por cima, sempre ficavam em posição de dominação total. Segundo a lenda, Lilth se tornou um demônio por não obedecer a Deus. No Brasil Pomba Gira se transformou na figura representativa de anti-dominação, uma prostituta que pulsa toda força na sexualidade. Nos candomblés brasileiros Nanã tornou-se a grande avó que protege o seu lar, filhos e netos. Uma mulher poderosa que mete medo em qualquer um, pela sua determinação e sabedoria.



Concepção da direção:

A direção trabalha com a Sinestésica do espectador, utilizando todos os recursos de sensações corporais e sensoriais. O espectador é o criador do espetáculo junto com os performers. O trabalho é totalmente despojado, fugindo do espaço cênico tradicional. Na entrada do teatro temos uma instalação com as casas de candomblés que fazem um despacho para Exú. Procuramos trabalhar com a Sinestésica do espaço público e as características performativas, utilizando elementos da dança e do teatro contemporâneo e dos orixás do Candomblé. O espetáculo foi elaborado para ser apresentado em espaços alternativos, teatros, galerias e nas comunidades. A encenação irá trabalhar um olhar sobre as mulheres de Nanã.
A gestualidade, as músicas dos atabaques e tambores, as falas rimadas, as danças, o teatro de sombras, as imagens, os depoimentos, os figurinos e adereços são as únicas condições materiais da representação.

Criação da Performer e o trabalho com as personagens:

A personagem é uma leitura particular dos performers, que irão utilizar seus potenciais: os gestos, os movimentos dos corpos e os cantos. A virtuose corporal e as composições de teatro-dança fazem parte de nosso modo de mostrar a performer-personagem. Flor de Nanã é um espetáculo instalação que mistura depoimentos de mulheres filhas de Nanã, as danças e os cantos do Candomblé. Procuramos trabalhar diversos exercícios nas ações físicas dos performers. O lírico das criações populares, dos cânticos das mulheres do candomblé e do congo. Técnica do ator Performer, técnicas de corpo e danças do candomblé.



TEC

O Teatro Experimental Capixaba completa 31 anos de resistência no Teatro Capixaba. O grupo é um Centro de Pesquisa Experimental de Antropologia do Teatro e das Artes Performativas. A pesquisa sobre a técnica de corpo do Performer Iaô do grupo foi tema de tese de doutorado de Cesar Huapaya na França. O TEC vem desenvolvendo junto às comunidades e prefeituras cursos e oficinas de artes, intitulada “Arte Cidadão”. Um projeto de socialização e integração do ator social através das artes. O grupo é composto por uma diretoria de 08 integrantes e 26 participantes; entre atores, artistas plásticos, dançarinos, músicos, performers de candomblé, congo, professores de artes especializados, antropólogo e historiadores. Onde oferecemos pesquisas, oficinas de artes, mini-cursos, palestras, seminários, espetáculos musicais e performances antropológicas.
O grupo é responsável por grandes encenações do Teatro Capixaba como: Funte Ovejuna de Lope de Vega (1984), Woyzeck de Georg Büchner (1985), Senhorita Júlia de Strindberg (1986), Eu sou vida; Eu não sou Morte de Qorpo Santo (1987), Ventre de Sangue (1992), Dança dos Ventos (1990), Mitologia (1988) e O Riso (1987) de Cesar Huapaya, Fausto de Goethe e Marlowe (1995), que representou o Brasil na Alemanha, França e Argentina em 1996, As Relações Naturais de Qorpo Santo (1999/2000/2007) e Flor de Nanã de Cesar Huapaya (2003/2008). Os críticos e professores de teatro Francês como Jean-Marie Pradier, Patrice Pavis, consideram o trabalho de pesquisa do grupo arrojado e de alta qualidade técnica e artística. Os antropólogos François Laplantine, Jean Bazin e Bernard Muller, citam a importância do trabalho antropológico do grupo sob a direção de Cesar Huapaya. O filósofo Gerd Boheiner considerava o trabalho do grupo um processo contínuo de evolução estética e cênica. O poeta, dramaturgo e historiador Oscar Gama Filho, cita que “o grupo TEC pesquisa os limites do ato dramático, no que ele tem de marginal... O espaço cênico do TEC se prolonga até a platéia, onde magicamente, espectadores se transformam em personagens”. Grotowski citou o trabalho do TEC de uma dramaturgia ritual e visceral.

Rosi Andrade:

Atriz, produtora, diretora, arte terapeuta, performer e professora de teatro/dança. Bacharel em Artes Cênicas pela Universidade Paris 8, Paris/França. Estudou na escola Internacional de Mimo e Dança Magenia em Paris com Ella Jeroszewicz e na Dinamarca com Eugenio Barba no Odin teatret.



Roberto Claudino:

Ator performer, diretor, aderecista, artista gráfico, participa desde os anos 70 das principais montagens do Grupo de Teatro Experimental, do teatro e do cinema capixaba.

Cesar Huapaya:

Fundador do Grupo de Teatro Experimental Capixaba em 1977, etnocenólogo, encenador performer de teatro, cinema e dança. Bacharel em Artes cênicas, pela UNI-RIO, pós-graduação em teoria e prática do teatro pela UFRJ, Mestre em teatro pela Universidade Paris 8 e Doutor em Estética e tecnologia da criação artística, com especialização em teatro/etnocenologia pela Universidade Paris 8, Vincennes-Saint-Denis na França. É professor Adjunto da Universidade Federal do Espírito Santo do Centro de Artes, onde leciona as disciplinas artes performativas,